Fala Majeté: se7e chaves de Exu Grande Rio campeã
O título faz referência a Estamira, catadora de lixo do Jardim Gramacho, que se comunicava com Exu por meio de um telefone, falando “Câmbio, Exu. Fala, Majeté!”. E daí os carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora fincaram a conexão do enredo com a cidade da escola.
Estamira, que morreu em 2011, protagonista de um premiado documentário homônimo, é um dos caminhos para o desenvolvimento do desfile, segundo a escola, que promete mostrar na Marquês de Sapucaí “histórias e manifestações culturais ligadas à simbologia dessa entidade tão múltipla e tão presente no universo das escolas de samba”.
“A escritora Conceição Evaristo nos visitou, na primeira semana de janeiro, e passamos um bom tempo debatendo a simbologia da capa de Exu produzida pelo Bispo do Rosário. Os apontamentos dela nos mostraram um caminho maior, extremamente rico, e decidimos nos aventurar por ele. O resultado é um enredo que trata de coisas muito próximas da gente, a rua, a feira, o carnaval, o lixo, um enredo que não apresenta uma visão fechada, quadrada. O nosso Exu se desdobra em sete chaves de interpretação, chaves essas que abrem infinitas outras portas”, explicou Bora, em declaração divulgada pela escola.
Haddad também fala sobre como o enredo dedicado a Joãozinho da Goméia, de 2020, influenciou na escolha por Exu para o próximo desfile.
“Exu apareceu de maneira pontual nos últimos três enredos que eu e Leonardo levamos para a Marquês de Sapucaí, então é algo que está no nosso imaginário artístico. Eu sempre tive o desejo de desenvolver um enredo dedicado a Exu, até mesmo pela ligação com o meu avô materno, que tinha um terreiro. Ao longo do processo de feitura do carnaval do ano passado, começamos a esboçar as ideias que nos levaram a essa nova narrativa, que segue por caminhos muito diferentes, tanto na forma de contar o enredo quanto no visual que já estamos colorindo”, disse.
Faltava Exu
A dupla de carnavalescos contou com a contribuição do historiador e antropólogo Vinícius Natal nas pesquisas. Para ele, o enredo preenche uma lacuna.
“O escritor e historiador Luiz Antonio Simas até fez a provocação: por que tantas escolas citam Exu, mas nenhuma faz um enredo todo dedicado a pensar Exu? Havia essa lacuna. Nós decidimos entrar nessa encruzilhada, que fala de ancestralidade e é, ao mesmo tempo, muito contemporânea. A espinha dorsal do enredo, inclusive, nasceu numa encruzilhada, quando comemorávamos o vice-campeonato, tomando cerveja, na rua. Sentimos muita falta disso.
Se precisamos pensar em novas formas de vida social, nesse contexto difícil, precisamos nos abrir ao diálogo, permitindo que pessoas como Estamira ou Stela do Patrocínio, que já partiram, continuem falando e sendo ouvidas. Por isso o nosso título traz essa exclamação: queremos que os Exus falem, para que aprendamos com eles. Há uma razão para isso, que não é a razão colonial, branca, eurocêntrica. É a ‘Pedagogia das Encruzilhadas’ de que fala Luiz Rufino, por exemplo”, explica Natal, que enxerga a oportunidade de combate à intolerância religiosa e à interpretação de Exu como algo maligno.
“Ocupamos um lugar privilegiado enquanto narradores e precisamos, mais do que nunca, usar esse espaço para combater o racismo epistêmico e o racismo religioso. Nada foi mais demonizado que Exu, por isso vamos raspar o fundo. A gente quer cada vez mais Exu nas escolas e nas escolas de samba”, afirmou.
Grito e rito
A sinopse ainda não foi divulgada, mas Bora e Haddad anteciparam que o enredo será dividido em sete momentos e vai “celebrar a energia que circula nas feiras e nos mercados, a malandragem das noites, nos bares e cabarés, as ruas, as folias populares e o carnaval dos corpos indóceis, a música, a literatura e as artes visuais que reinterpretam e nos ajudam a pensar Exu no cenário contemporâneo, e a suposta ‘loucura’ capaz de transformar o lixo, reconstruindo o mundo de maneira simbólica e produzindo novas formas de conhecimento. Há uma linha muito forte de Exus ligados ao lixo. É nesse momento que a figura de Estamira ganha destaque, nos levando a um lugar de Caxias que por muito tempo foi invisibilizado, que é o lixão de Gramacho. Estamira conversava com Exu por meio de um telefone. Isso é muito impressionante. As falas dela são contundentes e urgentes, e é de onde tiramos o título, uma expressão misteriosa, repleta de significados”, explicou Haddad.
“Além disso, nós mostraremos os fundamentos africanos de Exu e olharemos para a relação de Exu com o mito de Zumbi, essa ideia de corpo coletivo, ponto que nos faz dialogar com textos de Conceição Evaristo e Alberto Mussa. É um enredo que exalta as brasilidades festivas e que pede para que ouçamos algumas vozes que historicamente foram impedidas de falar. Nesse contexto incerto, não sabemos como será o próximo carnaval, mas desejamos que ele seja profundamente transformador. É por isso que invocamos essa energia, na esperança de que continuemos a fazer arte, em tempos mais esperançosos. Lançar este enredo, no nosso entendimento, é uma mensagem jogada no infinito. Um grito e um rito”, finalizou Bora.
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