O projeto de lei que torna a psiquiatra Nise da Silveira uma ‘heroína da pátria’
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A alagoana Nise da Silveira (1905-1999) ajudou a escrever a história da psiquiatria no Brasil e no mundo. Ela enxergou a riqueza de seres humanos que estavam entre o estigma da loucura e a exclusão total. Por ressignificar o tratamento de pacientes com esquizofrenia, explorando a capacidade criativa e imaginativa de cada um, Nise pode ser tomada como uma heroína. E o Projeto de Lei 9262/2017, da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), quer oficializar esse título.
Apresentado no fim dezembro do ano passado na Câmara dos Deputados e atualmente em tramitação, o projeto quer que o nome de Nise Magalhães da Silveira seja incluído no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”, destinado a honrar “brasileiros e brasileiras que tenham oferecido a vida à pátria, para sua defesa e construção, com excepcional dedicação e heroísmo”.
“São pouquíssimas mulheres que estão no livro. Em outubro, nós fizemos uma audiência pública e conseguimos provar o valor e a importância de Nise da Silveira para a história do Brasil. Agora, no início deste ano, quando a Comissão de Cultura voltar, vamos apresentar para votação e acredito que será aprovado. Nise da Silveira é uma figura muito expressiva”, afirma a deputada Jandira Feghali, autora do projeto, em entrevista ao HuffPost Brasil.
Até o momento, o projeto segue aguardando designação de relator Comissão de Cultura (CCULT) e, caso aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), segue para o plenário da Câmara e depois, do Senado. No texto, a deputada destaca que Nise transformou “tratamentos agressivos e nada resolutivos a partir de um novo olhar sobre os pacientes” já que “havia uma confusão entre hospital psiquiátrico com cárcere”.
Apesar da participação política das mulheres no Brasil, apenas 6 estão no chamado “Livro de Aço”, que conta com cerca de 45 nomes. Entre elas estão Jovita Feitosa, voluntária do Exército na Guerra do Paraguai; Clara Camarão, que combateu os holandeses na Batalha dos Guararapes, a enfermeira Ana Néri e as revolucionárias Anita Garibaldi, Bárbara de Alencar e Zuzu Angel.
No passado, o termo “heroínas” não fazia parte do livro. Em 2017, o Senado aprovou a alteração da Lei 11.597/2007, que criou o documento, para explicitar que ele se destina a registrar o nome de “brasileiros e brasileiras”. Anteriormente a Lei referia-se apenas “ao registro perpétuo do nome dos brasileiros ou de grupos de brasileiros” que dedicaram sua vida à pátria.
O “Livro de Heróis e Heroínas da Pátria” é um registro de personagens que protagonizaram momentos marcantes da história do Brasil e ajudaram a construir a identidade nacional. Com páginas de aço, ele fica exposto no terceiro pavimento do Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF).
“Nise apontou falhas na psiquiatria, contestou práticas e demonstrou soluções, dando novos contornos e sentidos aos tratamentos e às relações entre psiquiatras e pacientes. Em seus 94 anos de vida, a alagoana publicou dez livros e escreveu uma série de artigos científicos”, lembra o texto do PL.
O texto ainda celebra que “Nise promoveu uma verdadeira revolução não só no tratamento das pessoas com transtornos mentais, mas também na visão que os outros tinham sobre elas. É certo afirmar que ela foi um divisor de águas entre um tratamento desumano e que retirava as pessoas do convívio social para o acolhimento e a humanidade de um tratamento que buscava, verdadeiramente, compreender o universo daquelas pessoas e ajudá-las”.
A revolução de Nise da Silveira
Nise da Silveira foi a única mulher a se formar na turma de 1926 da Faculdade de Medicina da Bahia. Lutou contra terapias de choque nos anos 1940, trocou cartas com Carl Gustav Jung (que, pela distância linguística, entendia o nome “Nise” como masculino e a percebia como um homem), criou um método para tratar pacientes com transtornos mentais por meio da arte, desafiou o Estado Novo, foi presa e enfrentou a ditadura militar. Em seus 94 anos de vida, a alagoana publicou dez livros e escreveu uma série de artigos científicos.
A história da psiquiatra já foi tema de documentários e em 2016 voltou às telas com o filme inédito Nise – O Coração da Loucura, dirigido por Roberto Berliner e estrelado por Gloria Pires. O longa, baseado no livro Nise – Arqueóloga dos Mares, do jornalista Bernardo Horta, traz um recorte acessível e emocionante da atuação da psiquiatra e sua defesa da arte como principal ferramenta de reintegração de pacientes chamados “loucos”.
O filme se passa em 1944, quando Nise trabalhou no Hospital Pedro II, antigo Centro Psiquiátrico Nacional, no Rio de Janeiro. Ela se recusou a seguir o tratamento da época, que incluía choque elétrico, cardiazólico e insulínico, camisa de força e isolamento. Ao dizer “não”, a psiquiatra foi transferida, como “punição”, para o Setor de Terapia Ocupacional do Pedro II. A reportagem da revista Cult lembra que esse era um espaço desprestigiado na época.
Porém, essa transferência foi fundamental para a revolução que Nise provocaria na psiquiatria: foi nesse setor do hospital que ela implementou, junto com o psiquiatra Fábio Sodré, a Terapia Ocupacional no tratamento psiquiátrico e revolucionou a forma como os esquizofrênicos eram tratados. De um tratamento que os transformavam em animais, passaram a ser olhados como seres em (re)construção.
Fonte: huffpost brasil